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Esta importante subseção apresenta os efeitos indesejados e fatores limitantes da medição de desempenho no setor público em função da sua complexidade.

1.4 Consequências indesejadas e limitações da medição de desempenho

A complexidade da gestão organizacional e do setor público

As organizações são coleções de elementos tangíveis e intangíveis, cujo desempenho é determinado por múltiplos fatores e condições, internos e externos (Adcroft; Willis, 2005), onde os indicadores de desempenho avaliam áreas pré-determinadas nos sistemas de medição sem fornecer uma noção sobre o todo (Halásková; Halásková, 2020); portanto, indicadores são dão suporte à gestão, mas não a fazem a gestão organizacional por si. Nesse sentido, as pesquisas afirmam de forma uníssona:

As medições de desempenho apenas apontam condições existentes, o que necessariamente requer ações e decisões dos gestores para o alcance do desempenho desejado (Smith, 1995; Van De Walle; Van Dooren, 2006; Lundberg; Balfors; Folkeson, 2009; Bahia, 2021; Taylor, 2021).

Smith (1995) recomenda cautela na interpretação dos resultados dos SMD, pois, nem sempre, os resultados medidos vão incluir:

  • o desempenho de outros setores ou órgãos complementares;
  • variações e/ou ajustes no ambiente organizacional (alguns de longo prazo);
  • variações nas medidas em função de flutuações sazonais que terão reflexo posterior nos indicadores.

Especificamente na medição do desempenho de subunidades similares pertencentes ao mesmo órgão, podem existir resultados distintos, em que Smith (1990) aponta como fatores:

  • custos e orçamentos distintos;
  • diferença de objetivos internos;
  • uso diverso dos recursos disponíveis;
  • erros de medição ou manipulação de dados.

Portanto, é imperativo considerar diversos indicadores para se medir unidades ou organizações para compará-las, uma vez que algumas podem ter bons resultados em certos indicadores, porém, resultados ruins em outros; logo, não é fácil tirar conclusões acertadas sobre a organização como um todo, mesmo com uma série de indicadores de desempenho (Smith; Street, 2005).

Devido ao amplo escopo, diversidade de objetivos e stakeholders1, restrições legais e orçamentárias, o setor público é um ambiente complexo, onde SMD2 mal projetados podem ser disfuncionais, gerar consequências não intencionais e adversas com resultados diferentes dos esperados; dessa forma, podem reduzir a credibilidade da administração pública (Pidd, 2005; Borst; Lako; De Vries, 2014) e até serem abandonados (Arnaboldi; Azzone, 2010). Nos SMD, efeitos indesejados podem ser resultados da má implementação, falta de uso do sistema, descompasso entre as práticas reais e declaradas, além da resistência da força de trabalho (Steccolini; Saliterer; Guthrie, 2020).

Além dos efeitos indesejados, estudos apontam fatores limitantes à medição de desempenho (alguns deles provenientes da própria complexidade do setor público) como: excesso de indicadores (Gao, 2015), uso meramente simbólico (Gębczyńska; Brajer-Marczak, 2020), seleção inapropriada de indicadores (Ensslin; Welter; Pedersini, 2022), substituição precoce de indicadores (Oppi; Campanale; Cinquini, 2022) e conflito entre stakeholders (Leca; Laguecir, 2023).

O conhecimento prévio desses efeitos e fatores é importante para o desenvolvimento de indicadores e SMD, especialmente para superá-los, motivo pelo qual eles são apresentados a seguir.

Consequências indesejadas dos SMD no setor público

O quadro abaixo apresenta algumas consequências não intencionais do uso de indicadores de desempenho no setor público apontados por Smith (1995) e descritos por Freeman (2002):

FENÔMENODESCRIÇÃO
Visão em túnelÊnfase restrita ao fenômeno mensurado pelo indicador
SubutilizaçãoBusca de objetivos limitados, ao invés de objetivos organizacionais
MiopiaPerseguição exagerada a metas de curto prazo
Fixação em medidasFoco nas medições ao invés dos objetivos a elas associados
DeturpaçãoManipulação deliberada de dados e informações
Falsa interpretaçãoRealização de inferências falsas sobre o desempenho medido
GamingManipulação deliberada de comportamento para se obter vantagem
OssificaçãoParalisia organizacional pela rigidez do sistema de medição

Os exemplos acima revelam fenômenos indesejados por meio do comportamento dos gestores diante da medição de desempenho organizacional. Trata-se de um alerta importante a ser internalizado antes da implantação de SMD nas organizações.

Fatores limitantes à medição de desempenho no setor público

Na sequência são apresentados em ordem alfabética outros 27 fatores limitantes ou barreiras à medição de desempenho no setor público provenientes de pesquisas científicas publicadas, cujo conhecimento prévio se faz necessário a toda força de trabalho que atua diretamente ou indiretamente na medição de desempenho organizacional na administração pública.

1Ambiguidade Falta de clareza e consistência (causal ou intencional) nos processos de medição de desempenho.
2BurocraciaExcesso de procedimentos burocráticos que restringem ou causam mora excessiva à implantação de um SMD.
3Comunicação internaAusência de comunicação à força de trabalho sobre a importância, implantação e funcionamento do SMD.
4Confiança excessivaO excesso de confiança nos resultados da medição de desempenho sem uma avaliação mais abrangente e criteriosa.
5Conflito entre partes interessadasDificuldade no ajuste das medições devido à diversidade de partes interessadas e seus respectivos focos.
6Cultura organizacionalFalta de incentivos organizacionais e possibilidade de sanções em caso de resultados negativos.
7Dificuldade em um modelo únicoDificuldade de implantação de um modelo único e comum de SMD para todas as instituições.
8Dimensionamento de metasMetas atreladas aos indicadores dimensionadas de forma incorreta, desconsiderando a realidade dos resultados.
9Diversidade de objetivosOs objetivos organizacionais nem sempre são todos abrangidos pelos indicadores de desempenho, devido à ampla diversidade no setor público.
10Excesso de indicadores de desempenhoElevado número de indicadores tornando-os prejudiciais pela quantidade de informação coletada e não gerida.
11Força de trabalhoDecisões incorretas em função da falta de habilidade e/ou capacitação da gestão e força de trabalho.
12Influência políticaEscolha de indicadores de fácil medição e gestão a fim de esconder fragilidades institucionais.
13Informalidade e/ou corrupçãoAdoção de práticas diversas (sem registro oficial ou normas de protocolo).
14Interferência endógenaOs indicadores, quando estabelecidos, podem influenciar e, consequentemente ,interferir na realidade a ser medida.
15Interpretação e divulgação de resultadosDificuldades internas na comunicação das medições, na interpretação e divulgação dos resultados.
16LiderançaO suporte da liderança é um fator que aumenta o sucesso na implementação de um SMD.
17Indicadores subdesenvolvidosIndicadores desenvolvidos de uma forma limitada ou muito seletiva; ou ainda indicadores existentes, porém parcialmente utilizados.
18ManipulaçãoAlteração das informações produzidas pelos indicadores visando apresentar resultados favoráveis às partes interessadas.
19Qualidade dos dados e mediçõesDados e/ou medições de baixa qualidade ou confiabilidade.
20Representação limitadaDesconsideração de que indicadores são representações imperfeitas e transitórias da realidade em avaliação.
21Resistência da força de trabalhoComportamento cético da força de trabalho e resistência às novidades tecnológicas e mudança de paradigmas.
22Resultados intangíveisDificuldade em se prever indicadores para dimensões intangíveis, o impacto por meio do valor público e social gerado.
23Seleção inapropriada de indicadoresA seleção e o consequente uso de indicadores inapropriados ou inadequados à organização.
24Significância da mediçãoAdoção de indicadores não estratégicos ou sem importância institucional apenas pela facilidade de medição.
25Substituição precoce Troca sistemática de indicadores em um curto período, deixando de se alcançar um histórico que permitiria a comparação e o aprendizado institucional.
26Uso distorcido Indicadores empregados como um fim em si mesmo e não como parte de um amplo processo avaliativo.
27Uso simbólico Indicadores empregados apenas para legitimar externamente a organização.

Apesar do elevado número de efeitos indesejados e fatores limitantes à implantação de indicadores e SMD, os benefícios gerados pelos indicadores de desempenho e SMD (conforme apresentado na subseção anterior) os superam em intensidade e ganho, tanto para a sociedade quanto para as instituições, dando, assim, propósito a este guia e aos diversos outros estudos e artefatos similares.

Após o conhecimento dos objetivos, benefícios e restrições dos SMD do setor público, tem-se a síntese deste capítulo de apresentação; no capítulo seguinte, inicia-se a fundamentação necessária para a construção de indicadores de desempenho para as instituições do setor público.

Footnotes

  1. partes interessadas

  2. Sistemas de Medição de Desempenho